A Rua é Nossa | Um produto cultural feito na quebrada pela quebrada
Como processos de design thinking ajudou a estruturar e melhorar a experiência de um produto cultural de maneira empática, colaborativa e com pouco recurso.
Entendendo, a partir do Design, meios de melhorar a estrutura e execução de um produto cultural com pouco recurso. Tornando as experiências e os serviços mais democráticos, empáticos e assertivos.
O desafio
Um coletivo cultural que atua na Cidade Tiradentes, o Instituto Du Gueto, promove sua maior atividade que é uma festa de dia das crianças chamada “A Rua é Nossa”. Sem muito recurso, o evento procura ser executado de maneira colaborativa e gratuita para a população.
Como podemos melhorar a estrutura, serviço e execução, mobilizando pessoas voluntárias, atores e recursos para uma festa gratuita destinada a crianças da periferia de São Paulo?
O cenário atual
A chegada do mês de outubro nas periferias simboliza muito mais do que a festa de dia das crianças. Ela significa mobilização popular, cocriação, colaboratividade, comunicação e projeto em comunidade.
Não importa a natureza dessas mobilizações, se é uma igreja, um terreiro, um equipamento público, ONGs, sempre há articulações em comunidade, as pessoas se juntam uma vez por ano para promover uma festividade para as crianças e cada uma delas possui uma linguagem, forma de execução e fim diferente.
Na Zona Sul de São Paulo já aconteceu uma festa que leva a criançada para pedalar nas ruas de seus bairros, uma atividade diferente que promove o exercício em grupo. Já em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no bairro periférico da Cidade de Deus, a Débora Campos oferece faxina em troca de doações para promover a festa para a criançada.
Na Cidade Tiradentes, bairro onde atuamos neste desafio, existe uma pluralidade de eventos além da “A Rua é Nossa”. Existe o projeto Criança Feliz, da Escolinha de Futebol Meninos do Morro. A festa promovida pela grife Família Fundão, acontece no Jardim Vitória, parte extrema do distrito da Cidade Tiradentes. Também podemos destacar a Academia Carolinas, que trabalha com o empoderamento coletivo das mulheres da favela do Souza Ramos, região recentemente atingida por um incêndio, deixando a maioria das famílias dependentes de diversos tipos de serviços sociais básicos.
Além das festas articuladas pelas igrejas católicas e terreiros que estão no bairro e são bem presentes nas articulações do território.
Objetivo do projeto
Promover uma festa de dia das crianças de forma democrática, colaborativa e gratuita. Pensando em como otimizar e melhorar o fluxo de execução e experiência da festa. Para a realização, seguimos as premissas como norteador do escopo do evento:
Usuários
Entendendo o público da Cidade Tiradentes, podemos traçar diversos perfis diferentes. Tanto o jovem que gostaria de atuar ativamente nas atividades comunitárias do bairro sendo um voluntário, quanto um pai ou mãe que não possui condições de levar o seu filho para aproveitar alguma atividade de entretenimento por falta de dinheiro. Antes de validar algumas hipóteses, vamos traçar o perfil dessas personas para entender de maneira mais profunda como elas se comportam.
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Contexto do usuário
Agora que conhecemos o persona, precisamos entender como é o processo percorrido pelo morador e seu filho nas opções de lazer do seu bairro em um final de semana ou feriado.
Nesta jornada do usuário vamos observar como é o comportamento de ambos em uma praça com brinquedos — a opção mais comum dentro do território e começar a destacar algumas oportunidades de atuação para o problema do usuário.
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Validando as hipóteses
Após a criação das protopersonas e jornadas dos usuários, com foco no pai/mãe e criança, é necessário validar todas as suposições que foram feitas, e uma pesquisa quantitativa foi aberta.
Dentro de 24 horas, 40 usuários responderam as questões.
Percepções gerais e insights
• A Cidade Tiradentes é um bairro dormitório, as pessoas trabalham fora de sua região e só voltam para descanso e possuem poucos dias inteiros no bairro.
• Apesar de poucos dias no bairro, a maioria dos entrevistados procuram eventos no território. Outra parcela não sai por falta de dinheiro ou por falta de conhecimento do que acontece de entretenimento no bairro.
• Mesmo sem conhecimento dos eventos culturais, os moradores buscam seu momento de lazer ocupando os espaços públicos como parques, bares, ruas, etc.
• Quase metade dos entrevistados não possuem conhecimento das opções de lazer e eventos culturais que acontecem no bairro.
Alternativas de solução
Com todos os indicadores validados pela pesquisa e oportunidades revistas na jornada do usuário, como podemos priorizar algumas soluções dentro do contexto do projeto? Para isso, utilizei uma matriz Esforço x Impacto. Os resultados fornecidos por meio da matriz nos permite priorizar as soluções de menor esforço e de maior impacto para serem o foco do projeto nesse momento.
As soluções tomando forma
Após a validação das suposições e entender todos os indicadores que o usuário nos oferece para trabalhar, chegou a hora de botar em prática o esboço do que será nosso evento.
Um protótipo nos trás uma primeira reflexão de como o evento vai se integrar ao território. O local escolhido é um espaço público conhecido como “Praça do Stopim”, uma praça onde o coletivo já atua há alguns anos articulando com os moradores.
Em um processo de cocriação junto aos moradores do local, mapeamos pontos estratégicos disponíveis para a implementação do evento e de utilização livre.
A seguir um mapa com os pontos de atuação definidos:
Como podemos criar uma festa colaborativa e voluntária?
Depois de definir o que priorizar em nosso evento e co-criar um mapa de atuação territorial de maneira estratégica com a população do bairro, começamos a desenhar um evento cultural com cunho colaborativo e voluntário.
Mapa de Stakeholders
Para entender uma atuação estratégica de articulação com os possíveis envolvidos do projeto, fiz um Mapa de Stakeholders para conseguir observar o alcance de cada parte e como posicionar as ações com cada um.
A seguir, trago insights de articulação com cada parte e qual nível de prioridade em cada ponto de contato, considerando as priorizações definidas na matriz Impacto x Esforço, sendo 5 estrelas prioridade alta:
Clique aqui para ver as tabelas de stakeholders com mais detalhes
Definindo a programação
Para realizar um evento com pouco recurso, gratuito e colaborativo, a medida tomada foi abrir um chamamento público para voluntários e coletivos de cultura que atuam no bairro. E para entender como traçar essa dinâmica, fiz um roadmap com as etapas visando organizar as metas de cada ponto de contato necessário.
Roadmap: Voluntários
Roadmap: Coletivos Culturais
Comunicação e identidade visual:
Para auxiliar o design estratégico do projeto, foi pensado uma comunicação visual que tenha sinergia com os símbolos do território como o grafite e as cores alaranjadas dos blocos das residências.
P.s; Proposta planejada, porém, não implementada por falta de investimento.
Cronograma e implementação:
Depois de definir a estratégia e dinâmica dos pontos de contato com os voluntários e coletivos culturais, recebemos um número de pelo menos 12 inscritos como voluntários e 6 atrações culturais.
O início previsto para a festa são às 12h seguindo o seguinte cronograma:
12h — Abertura da festa — Acesso aos brinquedos de rua
13h — Início do grafite — OTM e LMF
14h — Oficina de pipas — Ali Leste
15h — Oficina de Abayomi — AInda Existe Amor em SP
16h — Gincanas — BrinquedoRIA
17h — Breaking Dance — Hip Hop no Vagão
18h — Apresentação de Maracatu — Baque CT
Durante todo evento:
• Corte de cabelo
• Brinquedos (Castelinho de ar, cama elástica e piscina de bolinha) — Adquirido com um prévio dinheiro de caixa do coletivo.
Com as atrações confirmadas, podemos desenhar a partir do mapeamento do território um protótipo de onde cada atração vai acontecer.
Ficha Técnica das atrações
Grafite:
Como uma das premissas é a revitalização, cuidar e remodelar o território é uma das metas. Sendo assim, o grafite se faz presente. Nessa ocasião, nossos parceiros LMF e UIU, por indicação dos moradores locais, fizeram uma homenagem e reflexão à menina Ágatha, criança assassinada no Rio de Janeiro em 2019. Confira a matéria que saiu na Agência Mural.
Brinquedos ao céu aberto:
Um dos lemas do Instituto Du Gueto é: “Não vamos distribuir brinquedos, vamos ensinar a brincar.” Os brinquedos ao ar livre saíram do único caixa que o coletivo possuía de pequenas doações realizadas por amigos próximos e dos próprios integrantes.
Corte de Cabelo:
Amigos barbeiros da região se dispuseram a ir até o evento com maquinário e material próprio para cortar o cabelo da criançada gratuitamente.
Gincanas:
O coletivo BrinquedoRIA trouxe uma parte da recreação cultural, com diversas brincadeiras e competições lúdicas.
Breaking Dance:
Contamos com a presença do pessoal do Hip Hop no vagão, ensinando passos, mostrando coreografias e interagindo com todo o grupo de pessoas, crianças e adultos.
Oficina de pipas:
O coletivo Ali: Arte Livre Itinerante, grupo de artistas plásticos com atuação no bairro, leva uma oficina de pipas artísticas para “A Rua é Nossa”.
Oficina de Abayomi:
Ainda Existe Amor em SP traz a oficina de Abayomi, bonecas de pano, acompanhado com a contação de histórias de como elas surgiram.
Maracatu:
O Baque CT finaliza o evento com muita dança, música e história. Nascido no mesmo bairro que acontece nossa festa, o grupo de maracatu sempre faz questão de fazer parte da nossa festa e fortalecer os vínculos culturais.
Doações de brinquedos e alimentos
A partir de uma doação da agência de comunicação FutureBrand, distribuímos ao final da festa uma média de 150 brinquedos para as crianças.
Os comércios locais doaram fardos de refrigerantes e alimentos como cachorro-quente e pipoca.
Impacto:
Neste evento foi contabilizado:
Considerações Finais
Sabendo chegar conseguimos olhar pra onde queremos mudar e como devemos fazer.
Abaixo deixo alguns dos próximos passos que serão seguidos para o aprimoramento do nosso produto cultural;
- Adicionar o mapa de stakeholders detratores para analisar pontos de atenção que possam impactar negativamente a execução do projeto.
- Desenvolver mecanismos fixos para os moradores se apropriarem mais dos processos de criação da festa a partir de oficinas de cocriação.
- Trazer atividades de caráter formativo antes do evento acontecer para que os próprios moradores tenham mais consciência de pertencimento ao bairro.
- Desenvolver canais de ponto de contato do morador e poder público.
O projeto é cíclico e evolui conforme seu território e as pessoas que estão dentro dele vão mudando. Porém, posso dizer que esse case já é um orgulho por ter entregado tanto com tão pouco!
As palavras chaves sempre foram: cocriação, comunidade, empatia e humildade.
Muito obrigado! :)
P.S; Todas as imagens foram autorizadas pelos pais e responsáveis no dia do evento.